quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Corra Lucas, corra!

Passava das duas e treze da madrugada. Pelo caminho havia uma seqüência de oito postes apagados que mantinha uma escuridão absoluta. Silêncio. Um tiro.

“Corre Lucas, corre!”

O problema é que Lucas não podia correr. Paralítico desde os 11 anos, quando foi retirado de baixo de um ônibus na Avenida Bernardo Vieira, Lucas não sabe mais o que é andar. Vive em cadeira de rodas. Seus amigos sempre o levam para os mais variados lugares. Festas, shows, luaus, calouradas, barzinhos, cinemas, churrascos, em tudo o paralítico Lucas estava metido. Ele sabe que não é nada legal dar trabalho para levá-lo pra tudo que é canto, mas o povo insistia, ele aceitava. Ele via o “belo” gesto dos amigos como uma forma de pagarem seus pecados, o que no fundo é verdade. Uma hora seus amigos teriam que esquecê-lo.

E foi o que aconteceu. Na hora da merda, o coitado do Lucas ficou pra trás.

“Ahhhhhhhhh! Voltem aqui, não me deixem. Eu vou morrer!”

O pobre Lucas ficou parado, sozinho na escuridão, com um cu que não passava um fio de cabelo ensebado, olhando ao longe seus amigos ficarem cada vez menores até o ponto em que sumiram da sua vista, desaparecendo no horizonte.

Se estivesse na casa dos 60 anos, Lucas já teria morrido de enfarto, tamanho era o seu pavor em estar ali.

Um segundo tiro, mais outro e outro. Um grito.

Uma luz surgia no horizonte. Um carro com seus faróis super-acesos vinha em sua direção a uma velocidade cada vez maior. Lucas se fingiu de morto. O carro passou por ele a uns poucos centímetros de o atingir em cheio e terminar o trabalho que anos atrás o ônibus na Bernardo Vieira não completou. O carro acertou a vitrine da loja de artigos religiosos, destruindo uma infinidade objetos sacros. Esculturas de santos, Marias e Jesuses e muito mais ficou quebrado pelo chão. O carro se alojou no fundo da loja, em frente a prateleira com as bíblias. Foi uma sorte ou sinal? Não se sabe, nunca se irá saber, mas que ela foi a única estante intacta da loja foi.

Com apenas um dos olhos abertos para disfarçar, Lucas viu todo o acidente, e se benzeu três vezes por não ter sofrido nada. Ainda estava inteirinho sem poder mexer a perna. Deu um sopro de alívio e seguiu em frente, atravessando sozinho a seqüência de oito postes sem iluminação. Para trás ficou apenas o estrago e um homem ensangüentado que tentou sair e pedir ajuda, mas desabou de cara na calçada.

“Aqueles vagabundos! Me deixaram sozinho!”, pensou indignado, Lucas, ainda com um cu tampado de medo.

Um comentário:

s2 boutique fotográfica disse...

Esta história ficou fantástica!
Vc tem uma imaginação muito fértil... rsrs..