sábado, 4 de outubro de 2008

PAPAI GONZO (Reportagem publicada na 1ª edição impressa do FUDEUS)

Ouço muito estudante Brasil afora dizendo que Jornalismo Gonzo é isso e aquilo... Vou ser sincero, pra ser GONZO tem que ser Hunter Thompson. Fora isso, sua reportagem pode apenas ser mais um texto jornalístico. Gonzo, jamais.

Nascido no pior dos países, os EUA, em 1937, em Louisville, Hunter Stockton Thompson se revelou ainda criança um fora-da-lei. Seu comportamento problemático fez com que agentes do FBI batessem em sua casa para investigar um caso de vandalismo praticado por crianças do bairro, que certamente nosso Hunter, com seus 9 anos de idade, estava metido.

Ele se safou. Soube jogar o perverso jogo dos policiais. Sabia que não havia provas concretas contra ele, e que todo aquele papo furado de que ele iria pegar uma pena de 5 anos na prisão era puro terrorismo dos agentes.

Seu envolvimento com a polícia não parou por aí. Durante toda sua vida ele teve problemas com a Justiça e seus mecanismos de repressão. Era um verdadeiro delinqüente juvenil. Roubava, andava armado, bebia sem ter idade, fumava, arrumava confusão na rua. Para se ter uma idéia, ele passou a noite de sua formatura do colégio na cadeia. E prestes há completar 18 anos, foi condenado a 60 dias de prisão por ser reincidente. Para abrandar a pena, ele aceitou a sugestão do juiz e se alistou na Força Aérea.

Nesta instituição ele conheceu o jornalismo e isto o livrou a cara. Nosso Hunter passou a ser o editor de esporte do jornal da base. O antigo editor, um sargento, fora mandado para prisão por embriaguez após mijar na parede de um prédio, “havia sido a terceira vez e não iriam deixar passar”, comentou Hunter a uma entrevista.

Com a proposta de ser o novo editor de esportes, Hunter se meteu na biblioteca para aprender sobre jornalismo. Encontrou três livros sobre o assunto. “... aprendi sobre manchetes e lide: quem, quando, o que, onde, esse tipo de coisa”.

O jornalismo foi seu passaporte para alegria. Ele passou a viver como repórter free-lance, chegando a colaborar em revistas do porte da Rolling Stone, Time, Esquire, Playboy, foi colunista da ESPN, correspondente internacional da National Observer, tendo passado por diversos países da América Latina, dentre eles, o Brasil. Foi repórter investigativo, escreveu sobre política, esporte, festivais, gangues, contracultura, com certeza ele mostrou ao povo estadunidense as entranhas de seu próprio país. É um dos expoentes do Novo Jornalismo. É o criador da maneira Gonzo de se fazer reportagem. É o principal personagem dos mais de 10 livros que publicou.

Desde o começo de sua Carrera, o Dr. Gonzo, como era chamado, realizava um tipo de jornalismo diferenciado, mais detalhado, particular, subjetivo. Aceitava pautas sobre os mais variados fatos. O que lhe foi bom, pois pôde se meter nas diversas camadas da sociedade norte-americana.

Porém seu comportamento desordeiro complicava sua relação com os editores das revistas e jornais por onde passou. Não era raro ele aparecer embriagado nas redações, ou não entregar as reportagens no prazo correto. Foi demitido e pediu demissão em muitos veículos por onde passou.Hunter começou a repercutir na sociedade americana, em 1967, ao lançar seu primeiro livro, e que veio a se tornar um famoso best-seller, cujo título no Brasil é “Hell’s Angels – Medo e Delírio Sobre Duas Rodas”. Trata-se de um livro-reportagem que mostra minuciosamente a forma como vivia uma famosa gangue de motoqueiros arruaceiros autodenominados de Hell’s Angels.

O Dr. Gonzo fez um trabalho de verdadeiro antropólogo ao se infiltrar e conviver durante 18 meses no interior dessa gangue. Ele não apenas mostrou o lado fora-da-lei dos motoqueiros, como também expôs uma visão crítica e ácida sobre a direção que a sociedade estadunidense estava seguindo.

Foi em 1971 que o nosso Hunter imortalizou o termo Gonzo. Nesse ano ele lançou o seu mais famoso livro, “Medo e Delírio em Las Vegas”. No livro ele pratica o Jornalismo Gonzo, relatando de forma profunda, sociológica e alucinada, o mundo dos viciados em jogo, drogas e cassino.

Marco da contracultura, o livro fez enorme sucesso entre os jovens norte-americanos daquele período. Misturando realidade e ficção, jornalismo e literatura, Thompson criou um novo gênero de reportagem ao se armar com todos os tipos de drogas e partir para Las Vegas em busca de uma alucinada experiência do sonho americano.

Hunter chamou a atenção do povo estadunidense com seus livros, reportagens e maneira de viver. Sempre cheio de drogas, álcool, mulheres, armas, nosso Dr. Gonzo se tornou um produto da sociedade norte-americana, a sociedade do espetáculo. Tanto para a contracultura, quanto para o jornalismo, Thompson deixou a sua contribuição. Ele influenciou muita gente da década de 1970 com suas bizarrices. Hoje seu nome é lembrado em monografias e teses sobre jornalismo, sobretudo neste tempo em que o jornalismo literário fica cada vez mais em evidência em revistas, livros e em blogs.

Há recentes 3 anos, em 20 de fevereiro de 2005, Hunter estava assistindo TV, sentado no sofá de sua casa em Woody Creek, nas montanhas do Colorado, quando pegou o telefone e ligou para sua esposa Anita Thompson, que na hora da ligação, às 17h30, exercitava-se numa academia de ginástica. O papo entre os dois não foi nada de estrema importância e urgência, apenas uma conversa banal para romper a solidão de um homem que nos seus 67 anos, quase todos vividos com intensa euforia, dedicava seu tempo à produção de colunas sobre futebol americano para a ESPN. A conversa transcorria sossegada quando, inesperadamente, nosso Hunter apoiou o fone próximo ao aparelho e puxou o gatilho de sua arma, metendo bala na cabeça. O tiro de seu revólver calibre 45 entrou pela boca e estourou seus miolos.

Quatro dias antes, ele havia escrito um bilhete para sua mulher em que revelava estar saturado. “Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andar. Acabou a diversão. A natação acabou. 67. Isto são 17 anos depois dos 50. Dezessete a mais do que eu precisava ou queria. Chatice. Sempre fui falastrão. Acabou a diversão - para todos. 67. Você está ficando mesquinho. Aja, seu velhaco. Relaxe – isto não vai doer”.

E assim o nosso Doutor foi mandado para os ares em forma de cinzas e pólvora colorida por um estrondoso canhão, em agosto de 2005. Foi uma cerimônia post-mortem com 350 convidados, dentre eles o ator Johnny Depp, grande amigo de Hunter, que chegou a interpretá-lo nos cinemas. O próprio Depp bancou a celebração, que anos atrás foi idealizada pelo nosso Thompson e seu amigo o ilustrador Ralph Steadman (responsável pelas ilustrações lisérgicas em Medo e Delírio em Las Vegas).

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